Informativo Mensal sobre temas ligados à Saúde Ocupacional e Segurança no Trabalho, Segurança em Transportes, Meio Ambiente e Direito Ambiental - abril 2017 - Ed. 178


LOGÍSTICA REVERSA E ECONOMIA CIRCULAR SÃO DEBATIDAS NA FIESP

Especialistas explicam as obrigatoriedades previstas na Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) e os acordos setoriais

O consumidor é um dos elos essenciais na logística reversa, com responsabilidade compartilhada, para que o produto, aparentemente sem utilidade após o fim do seu ciclo de vida, seja descartado de modo adequado sem danos ao meio ambiente, ou para que retorne a novo ciclo produtivo. A disposição correta de resíduos é um problema crucial para todas as cidades e especialmente os grandes centros urbanos.

Por isso, a Fiesp realizou, em 5 de abril, debate sobre a Política Nacional de Resíduos Sólidos, instrumento legal que estabelece o conjunto de ações destinadas a viabilizar a coleta e também a restituição dos produtos ao setor empresarial após o seu uso.

João Carlos Basile, diretor do Departamento de Meio Ambiente da Fiesp (DMA), e à frente da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIPHEC), disse que esse setor está bem envolvido com a logística reversa e tem programa efetivo há anos.

O que é, afinal, economia circular? Segundo Fabricio Soler (Felsberg Advogados), a economia circular consiste em ciclo de desenvolvimento positivo contínuo que preserva e aprimora o capital natural, otimiza a produção de recursos e minimiza riscos sistêmicos administrando estoques finitos e fluxos renováveis.

Soler chamou a atenção para a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos: conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, dos consumidores e dos titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos. A responsabilidade compartilhada encontra-se na Lei n. 12.305, a Política Nacional de Resíduos Sólidos.

“Quando se fala em recolhimento do produto e destinação final é logística reversa (LR) e não há limites. Pela lei não são todos os produtos sujeitos à LR, mas quando se fala em economia circular, não há limite de produtos”, refletiu Soler.

São obrigados a estruturar e implementar sistemas de logística reversa, mediante retorno dos produtos após o uso pelo consumidor, os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de:

I – agrotóxicos, seus resíduos e embalagens – já possui regulamento;
II – pilhas e baterias – já possui regulamento;
III – pneus – já possui regulamento;
IV – óleos lubrificantes, seus resíduos e embalagens – já possui Acordo Setorial;
V – lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista – possui Acordo Setorial assinado em 2014;
VI – produtos eletroeletrônicos e seus componentes – Acordo setorial em negociação;
VII – Medicamentos – em negociação.

Os sistemas são implementados e operacionalizados por:

Acordos Setoriais;

Regulamentos expedidos pelo Poder Público; e

Termos de Compromisso.

Há previsão legal quanto à melhoria da embalagem, que deve ser fabricada com material que propicie sua reutilização ou  reciclagem. É responsável pelo atendimento dessa obrigação todo aquele que:

manufatura embalagens ou fornece materiais para a fabricação de embalagens;

coloca em circulação embalagens, materiais para a fabricação de embalagens ou produtos embalados, em qualquer fase da cadeia de comércio.

Soler explicou que toda lâmpada tem inclusos 41 centavos destinados à logística reversa. Quando importada, é necessário aderir ao sistema e obter um carimbo do Inmetro que confirma a concordância do fabricante ao sistema brasileiro.

Especificamente sobre a logística reversa das embalagens, contidas na fração seca dos resíduos sólidos urbanos ou equiparáveis, Soler detalhou a obrigatoriedade em relação ao papel e papelão, plástico, alumínio, aço, vidro e embalagem cartonada longa vida.

A fase 1 de implantação do Sistema de logística reversa irá se encerrar em novembro de 2017 e envolverá 438 cooperativas e 645 PEVs. O objetivo central é melhorar a estrutura das cooperativas e basicamente implantar pontos de entrega voluntários. A fase 2 deverá ser definida a partir de ensinamentos, desafios, obstáculos e resultados da fase 1.

Entre as metas, viabilizar o retorno de 3.815 toneladas/dia. Isso envolverá a criação de um sistema estruturante e promover a redução de, no mínimo, 22% das embalagens dispostas em aterro até 2018.

O secretário do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo, Gilberto Natalini, que participou do evento, frisou que é preciso mudar a maneira como se produz e se consome. Pelo inventário de emissão de gases de efeito estufa (GEE) do município, a descarga de frotas – caminhões, ônibus e veículos – lidera. Em segundo lugar, o lixo.

“Em São Paulo, não temos lixões, temos dois aterros. Um deles está desativado, o Bandeirantes. O outro, o São João, em Sapopemba, tem vida útil de dez anos. Há outro alugado, em Caieiras. E temos um prazo para resolver isto, a destinação do que se produz e se consome”, enfatizou, lembrando a produção de 17 mil toneladas/dia de resíduos. “Esses dois aterros têm usinas elétricas, de queima de gás metano, o que diminui o impacto de GEE e ainda abastece 600 mil pessoas”, concluiu, afirmando que São Paulo faz uma separação de lixo ainda “pequena”.

Logística reversa na prática

Na continuidade do encontro, Daniela Lerário (TriCiclos) tratou de gestão de recursos, pontos limpos e PEVS. A TriCiclos é uma Empresa B Certificada que busca compreender e solucionar as questões ligadas ao comportamento de consumo e gestão dos resíduos por meio da aplicação dos conceitos de economia circular. “Queremos demonstrar o impacto ambiental de cidadãos, empresa e poder público na comunidade e ajudar a construir um caminho para o consumo mais responsável. Se designers pensarem melhor, não haverá lixo”, afirmou.

A empresa, que tem base no Chile, está atuando no Brasil há dois anos e meio. Mas, o que é empresa B? Uma empresa que tem compromisso real com o triple bottom line (tripé econômico, social e ambiental), em seu estatuto, e que é certificada. No total, já são 2.200 empresas certificadas. No Brasil, são quatro.
Lerário lembrou que são produzidas 17 mil toneladas/dia de resíduos em São Paulo, o que significa 1,1 quilo/dia por pessoa. Nesse contexto, é preciso tentar circular produtos, processos, informações e oportunidades com os resíduos. A TriCiclos foi a única empresa sul-americana parceira na elaboração do relatório The News Plastic Economy, estratégia de transição para a nova economia para os plásticos, lançada em janeiro no World Economic Forum – WEF, em Davos. “Em 2050 haverá uma tonelada de peixes para uma de plástico, hoje essa proporção está em 4 para 1”, alertou a expositora.

Na gestão de PEVs, o olhar é de rastreabilidade em função do trabalho com cooperativas de catadores como prestadores de serviço, tendo como foco sua formalização e o empoderamento da mulher, maioria nas cooperativas. O saldo é de parceria com 60 cooperativas e uma rede que envolve mais de 120, somando mais de mil cooperados. Com 167 pontos em operação em 14 Estados brasileiros, tem impacto em mais de 1,7 milhão de pessoas.

“Com o conhecimento obtido nos PEVS, é possível conversar com importadores, fabricantes e indústria sobre design. Por exemplo, uma cor pode inviabilizar a reciclagem”, disse, explicando que o objetivo da economia circular aplicada é reinserir esses materiais em cadeias já existentes. Com a instalação de PEVs de 5 e 20 bocas, há não somente uma pré-triagem, mas uma pessoa no local para orientações. No ponto, há prensa e balança, ou seja, o material sai de lá já separado (plástico transparente e colorido) e enfardado, segundo detalhou Daniela Lerário, da TriCiclos.

A geração total de resíduos sólidos urbanos, no Brasil, chegou a 79,9 milhões de toneladas, em 2015, e foram coletados 72,5 milhões de toneladas. A geração total de resíduos de equipamentos eletroeletrônicos, em 2014, foi de aproximadamente 1,4 milhão de tonelada, de acordo com números apresentados por Ronaldo Stabile, da Recicladora Urbana, neste debate. Menos de 3% são reciclados, nesse balanço, geração per capita de 7 quilos habitante/ano de resíduo eletroeletrônico, com impacto ambiental, social e de saúde pública. “E isso vem se acumulando ano a ano”, disse.

E há riscos com o descarte indevido. “Quando o celular ou o notebook estão íntegros, não há risco, mas quando o descarte é irregular, torna-se altamente nocivo pelo fato de a pessoa não saber manipular esses materiais”, alertou. De cada tonelada que entra na empresa, 30% são aproveitados, 25% para transformação em equipamento de reúso e o restante, 100% de matéria-prima, explicou o palestrante.

Para encerrar, Stabile alertou para o desmonte de aparelhos de TV com tubo – em função do desligamento do sinal analógico. É preciso descarte correto, pois o tubo, altamente poluente, contém no tubo pó fosfórico, que é cancerígeno.

Outro exemplo apresentado vem da Tetrapak. Sua representante, no evento, Juliana Seidel, lembra que no DNA da empresa sueca está a disponibilidade de alimentos de forma segura. A embalagem cartonada atende ao ciclo de vida até o consumo final para depois ser reincorporada no processo produtivo como matéria-prima. A embalagem, composta por até 75% de recursos naturais renováveis – papel, polietileno de cana-de-açúcar, mais alumínio – está em consonância com a economia circular e reduz a pegada de carbono.

Economia circular e desafios para o setor empresarial

Para Luísa Santiago, da Fundação Ellen MacArthur, há uma combinação de riscos e oportunidades para o desenvolvimento socioeconômico com impacto nos sistemas vivos, e é preciso evitar perdas expressivas. “Gerar nova forma de economia. A gente joga dinheiro fora. No setor de bens de consumo não-duráveis, representando valor de 3,2 trilhões de euros, 84% dos materiais que entram no sistema linear são jogados ou incinerados anualmente na Europa. Ou seja, 2,7 trilhões de euros perdidos como resíduos em aterros, em função de falhas no sistema linear”, exemplificou.

Em termos de mobilidade, 92% do tempo os veículos estão parados e, quando andam, rodam com uma pessoa e meia dentro, quando poderiam ter cinco. Há ainda os custos de acidentes, mortes, impactos na saúde, no mercado de trabalho, prejuízos emocionais, segundo apontou.

Em função da crescente urbanização, faz-se necessária a aceitação de novos modelos de negócios inovadores com o suporte dos avanços tecnológicos. A economia circular elimina a noção de resíduo desde o seu início. Santiago frisou que 30% dos resíduos, nos aterros europeus, são de demolição, da construção civil e suas perdas. No Brasil, esse índice chega a 50%.

Outro exemplo, “os escritórios estão desocupados 40% a 50% do tempo no horário de trabalho. Há mais casas vazias do que desabrigados na Europa, tem algo errado nessa conta. E ainda 100 milhões de toneladas de alimentos são perdidos, na Europa, anualmente; 50% dos alimentos que rodam as cadeias globais produtivas se perdem por ineficiência nos processos; 97% desses resíduos globais são, na verdade, nutrientes que poderiam recompor o capital natural, mas vão para os aterros, representando US$ 300 bilhões de dólares e geram externalidade negativa com a emissão de metano e a degradação do solo.

Em sua avaliação, há muitas perdas estruturais. Até 2030, segundo o Banco Mundial, 3 bilhões de pessoas passarão a ter padrões de consumo de classe média e haverá, portanto, muita pressão sobre os recursos naturais.

Para encerrar, Luísa Santiago apresentou cases: da Philips vendendo luz como serviço; Renault com a remanufatura nos automotivos; Nat. Genius com a manufatura reversa de bens de linha branca.

A última participação foi de Flávio Ribeiro, da Cetesb, que tratou do respeito dos termos de compromisso da logística reversa: hoje há 14 em andamento, 7 já renovados e vários em negociação. Ele lembrou que existem três cadeias produtivas enormes em São Paulo – cana, laranja e boi – e predisposição à circularidade, pois é raro esses resíduos seguirem para aterros. “A cana-de-açúcar responde por 25% da energia consumida pelo Estado – em forma de gás natural, gasolina, diesel etc. -  e ocupa 12% da extensão territorial com o seu plantio”, afirmou.

Portanto, a “logística reversa é aspecto fundamental de transição para a economia circular. É preciso considerar o papel dos fluxos materiais no sistema de economia circular; os estímulos da responsabilidade estendida ao produto; criação de ambiente regulatório; e criação de oportunidade de negócios”, pontos destacados pelo expositor.

Ribeiro criticou a destinação: quando muito, há gerenciamento, apesar dos planos municipais de resíduos, que somam mais de 400 no Estado. “Mas e a redução? E a reciclagem?”, questionou. E chamou à responsabilidade das prefeituras porque elas respondem pelo resíduo.

Há preocupação também quanto ao acesso à segurança de fornecimento de materiais. No eletroeletrônico, 90% das reservas mundiais de alguns dos componentes imprescindíveis estão na China. “O risco ao negócio se ela virar e falar ‘não vendo mais’… Para mim, esse é um dos motivadores da economia circular na Europa, o acesso à matéria-prima”, avaliou.

No Brasil, os resíduos têm o pior destino possível, o aterro, segundo Ribeiro. Em 2015, segundo dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), “20% do que se gera não se coleta, e do que se coleta só 58% seguem para aterros e nem sempre dos melhores. Um desperdício.  Mais de 1/3 das prefeituras não tem nenhum tipo de coleta seletiva. Os resíduos sólidos urbanos não podem ser esquecidos na economia circular”, enfatizou, e criticou o fato de haver incidência tributária sobre resíduos.

Quem paga a conta da logística reversa?, questionou o expositor. Para ele, é preciso aumentar a eficiência no uso de recursos e no ecodesign. Em São Paulo, cerca de R$ 20 bilhões por ano são destinados a programas de contratação de compras públicas sustentáveis, que abrangem merenda escolar, duplicação de rodovias, o papel que o governo usa em seu gabinete. “Há decreto nesse sentido desde a Rio+20, até 2020 há obrigação de que 20% das compras totais sejam adquiridas com critérios sustentáveis. Hoje esse índice encontra-se em 8%”, afirmou.

Para finalizar, Ribeiro alertou que será aberta a consulta pública para revisão de Política Estadual de Resíduos Sólidos, uma oportunidade para discutir mudanças legislativas que contemplem a economia circular.

Fonte: Fiesp



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